domingo, 21 de agosto de 2011

Definições e a falta delas

Em sonhos, tenho uma aflição absurda e uma verdade tão bem construída, que o peito pula sem parar até parar o medo. E acho que vou capotar e murchar na frente de todo mundo até virar uma verruga, um sinal, uma marca, um ponto. E sou essas características.
Me dizem que não sou daqui, que sou do mundo. Mas nem eu sei de onde, nunca me dizem onde. Sei que não pertenço aos lugares em que fico. Não sei permanecer onde estou, busco sempre mais, procuro o novo. Ando em linhas aparentemente desconexas, mas que fazem muito sentido pra mim. Só vou saber quando for e voltar pra dizer que lá é meu lugar.
Por aqui, param-se serrarias, serralherias, construções. Fecha-se todo o comércio, resta a sorveteria. A noite dura mais, pessoas saem mesmo sob o desumano frio. Vestem-se com novos trajes, não sentem nada. Nem o bafo alcóolico que sai de si próprios. Festejam algo, dançam algo. Fizeram de hoje feriado. É um dia diferente numa rotina. Fujo dela.
Gosto de viajar e do quanto da visão do mundo que a janela do ônibus me dá. Estar à altura da maioria das árvores e arbustos dessa vegetação de uma quase caatinga, desse quase-sertão. Viro viajante, sou caminhoneiro, sou frases de pára-choque, sou passageiro. Sou Viajo Porque Preciso Volto Porque Te Amo. Sou personagens-tipo. E não me defino, não sou nada. Sou cactos, mato seco, terra avermelhada, sou pequenos montes e estrada. Sou buracos, sou tapete. Sou pneu e poltrona. Cercas. Perdi. Sou eu mesmo tudo isso e dizer aqui é só mais repetição da vida. Pedágio, troco. Representações de mim.
O dendê que borbulha no acarajé, o cheiro de coentro e dos finais de tarde com meio-tons. Mulheres de pequenas cidades que lavam roupas em córregos e rios. Meninos e meninas que correm como crianças pelas ruas. O óleo fresco que tempera saladas e corpos e bezunta de uma certa leve esperança os que ainda carregam vida sob a radiação. O sol de março que arde as peles negras. Bocas afro, narizes, cabelos. E mãos de traços tão próprios, de belezas negras. Escura - longe do bizarro argumento racista - profunda raiz africana. Também isso. Podia me chamar Amarula, Guiné, Nigéria, Marrocos.
Aqui chama-se Bahia. Eu, no entanto, chamo de casa. Ou de mim mesmo.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Distorção

Não enxergo mais bem. Lentes não funcionam em mim nem cabem. De tudo, me sobrou o sono e o tempo de folga e isso virou cotidiano, sem mencionar os efeitos da falta. Estou só. Viro algo que não sou. Vago por ruas, cheiro ladrilhos, sou um cão sem raça, sem coleira. Fuço lixeiras, rasgo sacolas, como qualquer coisa que cheire menos podre. Não sei definir o que faço, apenas faço. E tenho feito tão pouco, só sigo rastros e farejo tudo procurando força e energia em algum resto de existência.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Estado de Sítio

"As cidades se fecham em si mesmas
O argumento da degradação das relações humanas
Cria o elogio à violência
Que além de espiada e pensada
Coloca-se cada vez mais presente
No grande mundo através de guerras
No mundo interior na forma de discriminação
Uma série de pequenas maldades
Se destilam em nossas almas e mentes
Desejos íntimos de execuções sumárias
Admiração a justiceiros genocidas
Vem a nos preencher o interior vazio da consciência
Como um elixir entorpecente
Transborda nossas grutas interiores
Com desejo de morte e odor pútrido
Pra tudo aquilo que não entendemos
Que não conhecemos
Sem que isso crie em mim ou em você
Necessidade alguma de maior compreensão
Nem mesmo capacidade de sentir ou colocar-se no lugar do outro
E novamente tomados de desejos egoístas e assassinos
Clamamos por penas de morte e chacinas em nome de segurança
Cidades cada vez mais fechadas, condomínios, ruas particulares
Milícias, shoppings e torres de vidro blindado
Que nos assegurem de nossa própria vontade demente
De punir infratores
As infrações são sempre alheias
Estamos quase sempre ungidos de inocência e boa vontade
Não há nada de errado em se dar bem
Não hei de me tornar alvo por ser bem sucedido
E assim fecho-me em muralhas
O imperativo é nos isolarmos cada vez mais com nossas migalhas
Que se limpe a cidade: de ruídos noturnos, esmolantes, dos sujos,
Dos caídos, da alegria subversiva das meninas e meninos de rua,
Do vigor da prostituição, do apagado colorido dos bares populares
Dos cães de rua e seus respectivos donos, dos catadores de reciclável, da permissividade boemia,
da essência humana que coabita na coexistência dos diferentes.
Vamos limpar das cidades o desejo humano do prazer do sexo
Permeados em olhos famintos que desejam e comem
O Brasil que tem fome
Nos isolando na reclusa solidão de nossas casas e apartamentos
Gozando a mais profunda perversão de nossos sentidos solos
Engaiolando nossas súplicas e desejos numa oração profana
Cada vez mais egoístas, solitários nefandos
A ordem se constrói de entradas e saídas
Ausgang-Eingang
Nossas cidades estão se tornando sítios dentro de gaiolas
Será que o Ibama conseguirá libertá-las?
Sendo assim, índios, mestiços, negros e nordestinos devem saber
Colocar-se e apreciar as entradas de serviço
Pois isso corrobora para a segurança das pessoas normais. Normais?
Belezas são coisas acesas por dentro
Tristezas são belezas apagadas pelo sofrimento".

terça-feira, 10 de maio de 2011

6 de maio

Todo mundo tem amigo, menos eu. Menos eu. Que corro e fujo de todos que têm amigos demais.
É um drama de menino, de pequeno.
Já é uma e tanto, já não é de espanto. E corre o tempo, foge a lua.
Fogem todos, inclusive os amigos. Os meus tantos.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Demais

Guardo cinco tubos de creme dental no armário porque tenho receio de que um dia acabe e eu saia de casa com bafo matinal. Eu exagero na força da escovação na tentativa de que meus dentes clareiem. Até que eu sinta algum efeito - que nunca acontece - ou até que minha gengiva retraia a ponto de precisar de uma pasta para dentes sensíveis, mesmo tendo a despensa cheia disso.
Me entrego a três livros e textos e inúmeras referências, mas nada resolve. Não resolveu dessa vez. De novo, mesmo previnido demais.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Como em casa

Passei a pomada no peito e na garganta e o cheiro de casa entrou. Pelas narinas entupidas de saudade que insistem em despejar o que não é propriamente meu, mas tem se criado e existe há algum tempo. E refaço o chá que costumava sarar do que me tornava impuro, mas a salvação não vem em fórmulas. Não vem em receitas. Assim como, mesmo tendo dormido durante duas semanas num mesmo lençol azul simples de algodão que me lembra o de casa, minha cama de anos não reaparece, meu teto de meses não brilha a luz fluorescente fraca que iluminava as madrugadas e a cura da rinite não vem fácil. 
Eu moro muito longe, sozinho.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Essa não-amiga

Cada pessoa é um lugar que já não é. Um não-lugar em que não se vive mais e deixa de existir então. Cada pessoa é um lugar que vira outro e ao qual não mais pertence.
E assim como os lugares, as coisas, os sentimentos e laços. 
Tão simples como deixar de se falar. Tão praticado quanto nem dizer 'tchau' e não se importar. E digo das pessoas que se vão, dos amigos que se foram. 
Para longe, para outro lugar que não mais o meu. Para fora do que era nosso e de anos.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Capricórnio e Câncer

Morar abaixo dos trópicos me fez sentir falta de estar entre eles.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Periafricania - Brasileiroz

"Antigamente, quilombos
Hoje, periferia
(...)
Qualquer periferia
Qualquer quebrada
É um pedaço d'África"