sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Exoesqueleto

Exaltam o melhor, pontuam o melhor, mas gosto não é algo particular? Constroem o belo, o bom e o justo, mas tudo isso é tão privado que nem a retórica de Aristóteles pode me dizer o contrário. Aliás, Aris-who? Exaltam-no. Correm para aquela ridícula exaltação dos melhores. O campeonato desenfreado em busca do melhor em nada. 
Não posso competir em qualquer categoria, não tenho grandes músculos desenvolvidos ou definidos. Ainda não. Meus músculos são tão gentis quanto os do meu coração, que se desfaz por vida quando me jogam palavras duras e me cagam qualquer esperança de um dia dar certo. 
Murcho por dentro e minha casca às vezes permanece inteira, mas por vezes ela vaza o que está dentro - embolado, amassado, mas ainda partido e desfeito. É como se eu tivesse um exoesqueleto que sustentasse uma certa dureza e rigidez, exatamente o contrário do que está acontecendo dentro de mim. E não é uma capa, não é um teatro fake apesar de que a vida é também teatralizar para não se deixar apagar. 
Eu sinto tudo, murcho por dentro e não tem como, quase sempre, deixar de enrugar por fora.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Brigadeiro ou qualquer outro que o valha

- Boa tarde, tudo bem? Quanto tá o brigadeiro? 
- Tudo bem? Custa um real cada.
("Que barato!", penso enquanto escolho algum dos doces por cima do vidro do balcão e levo um tempo vendo qual é o mais vistoso, bem feito e bem redondo, de granulado bem assentado e resolvo pedir). 
- Pode ser esse? - ela aponta pra um. 
- Pode, sim. Tá bonito, tá bem feito... Mas olha, moça, esse daqui, quando você pegou com o utensílio, deu pra ver que no lado tá mordido já. Tem como trocar por outro? 
- Beleza. E esse? 
- Mesma coisa, moça. 
- E esse? 
- Mordido. 
- Esse? 
- Mordido também, moça. Ali no cantinho, tá vendo? Tem até marca de dentes no lado de trás, apesar da parte de cima estar linda. 
- E esse aqui? Não tem mais tantos aqui, você já descartou um monte... 
- Errr... Esse parece ótimo, mas quando você tira da forminha de papel, tá só a capa, tá vendo? Onde era pra ter recheio tá vazio. 
- É... - diz a atendente, como que concordando comigo. 
- Ih, moça, acabaram as opções, foi? 
- Só tem agora esse outro tipo aqui que custa mais caro. 
- Quão mais caro? 
- Custa R$1,70. 
- É? É que eu to sem dinheiro agora e queria mesmo um brigadeiro. (A atendente me olha como quem não pode fazer nada por mim e um silêncio constrangedor se instaura nos dois lados do balcão) 
- Bom, uma mão lava a outra, o mundo gira, a gente nunca sabe o que acontece lá na frente, então leva esse de um e setenta por um real só. 
- Obrigado, moça, só que esse é maior, mais vistoso, mas continua mordido embaixo, não tem nem metade do outro...

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Porque pensei aleatoriamente

No final de semana, tudo no mesmo lugar, ainda que alguns grãos de poeira tenham se depositado aleatoriamente aqui e ali. Sem pretensões de ocuparem quaisquer espaços, se amontoam. "Meu apartamento parece tão bagunçado que nem parece meu", eu penso. Aí vou ao banheiro e vejo que tenho meus fios de cabelo branco, tenho feios fios que nem se parecem com o resto. Nem por isso deixam de ser meus. E tenho esse lado chato, de reserva, que doso com os momentos de pura franqueza de alma e abertura pra vida que me deixam ser quem eu sou sem incomodar ninguém. Espantosamente. Mas nunca tem ninguém, por isso a falta de incômodo. 
Decido escrever frases soltas no Moleskine imaginário. Guardo frases soltas na cabeça. Guardo pra depois despejar num Moleskine ainda não escrito, naquelas ditas folhas especiais que deveriam guardar algo que significasse muita coisa. Registro minha vida, minha pesquisa. Deixo guardadas linhas que quero seguir, mas não faço dele diário. Escrevo para ninguém. 
E resolvo sair com você pela cidade que nem conheço a procura de alguma coisa que eu nem sei ao certo, mas vou porque confio na sua amizade até então. Não tem mãos dadas, não tem calor humano, não tem olhos trocados. Visto um moletom e uma jaqueta e fotografo, mesmo que sem câmera, aquelas esquinas que a gente dobrou sem se preocupar em marcar território porque nada ali é meu. "Nem tem como ser, não tem como ser", repito pra mim como num mantra. Não temos nada afinal. Mas que coisa maluca é essa de querer ter alguma coisa? Você nutre por mim algo não declarado, que só descubro meses depois quando você já definiu como não-existe-mais-nós.  
A luz está baixa, pessoas conversam alto, estou num pub. Alguém tenta falar espanhol comigo. "Yo no hablo español, desculpa". E tenho de repetir mil vezes isso ao longo da noite, certamente sem ser entendido completamente. Luz baixa, pessoas conversam alto, estou num barzinho. Alguém tenta falar alemão comigo. "Ich kann kein Deutsch". E sou incomodado pela impossibilidade de dizer de mim, de conversar com esse alguém que nem sei quem. Um alguém personificado, mas não individualizado ainda. Um alguém tipificado: bêbado, incômodo e insistente. 
Agora estou viciado numa única música que me lembra os anos 90, tem um quê da música de abertura de Twin Peaks e sinto um certo medo. Medo de querer demais e não ter. Medo de me apressar. Medo de avançar minha escrita e não ter mais o que escrever. E me perder e ser sem rumo e sem prestígio, logo, não mais no caminho certo - no que dizem ser o certo. Me mandam tomar florais, dizem que vão aliviar meus receios. Eu só quero saber se vêm, dentro do potinho dos florais, passagens aéreas e quantias exorbitantes pra que eu possa sofrer menos, mas pelo menos que seja em algum lugar frio e que tenha o branco da neve pra amenizar as fontes loucas de informação que meio que me cegam de tanto que dão a ver. "Relaxe", digo pra mim mesmo. E falo pausadamente, como se digitando, "não se cobre escrita perfeita em teclado de celular". 
Tudo isso porque pensei no frio, nas tantas letras que tenho idealizado, tantos títulos que tenho sonhado e tantos grãos de poeira que tenho inalado e não mais me entalam as narinas, mas pesam o peito. Estou curado da rinite, mas não de mim.

sábado, 8 de setembro de 2012

Academia robotizada

Tento fazer um artigo e não escrevo como quero, não posso - dizem - escrever como escrevo. Sento, pego o laptop, digito palavras que nunca uso. Onde estou eu nessas letras, nessas linhas que formam juntas treze ou até quinze páginas? Não me encontro. Roteirizo, separo partes, atribuo subtítulos. Teatralizo o conhecimento para facilitar o entendimento do que quero dizer - para não parecer germânico demais, para não ficar desordenado. Não sou linear. Escrevo a introdução, paro, avanço a pauta, estou nas considerações finais. Adianto o resumo antes do trabalho finalizado. Questiono meu pertencimento à academia. Piro. E volto a escrever como se não fosse eu, como agora.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Vocês

Tem você que fuma todo dia, religiosamente, seu beck e eu nunca vi seu rosto, só conheço o cheiro que desce até meu apartamento sem respeitar madrugadas ou horários de almoço nem minha fome criada por sua larica de carne de sol frita com bastante alho e azeite extra virgem. Você e seus amigos do clube da fumaça que arrastam carros e motos da garagem e deixam o portão do prédio aberto. Minha única referência sobre você é essa, não me leve a mal. Não te julgo nem te absolvo, mas apagaria sua fumaça se pudesse. Assim como teria apagado a sua quando você insistiu em fumar algumas carteiras desde que fui embora e continuou a fumar enquanto estive perto. Você, que nunca mais encontrei igual e talvez nunca mais encontre. E você, que fuma desde que saiu de casa e largou a faculdade. 
Você, daquele pacto estúpido de alguns anos, que eu nem sei em qual tempo deveria estar agora nem sei por onde anda. E você que amargou minha amizade e também sumiu, mas vez ou outra temos de retribuir sorrisos amarelos de cumprimento e permanecer num vácuo absurdo, numa falta imensa de seja lá o que for que falta. "Quando eu mais precisei de você, você não estava lá", te disse certa vez. Nem sei relatar o tanto de saudade que tenho de quando estar perto era algo imensamente bom e eu não fazia ideia. Lembro de quando você, super cedo, se levantou e me levou ao aeroporto e mal dizia qualquer palavra enquanto eu derramava quilos de letras. Mas, ainda que estivesse agoniado com aquilo, você me deixou falar um monte. Não sei, lembrei disso. De mim, verborrágico. 
Vocês, que não passam dos 1.75m, mas têm egos imensos e línguas imperdoáveis. Que comem carne e é como se se enchessem de ainda mais sangue e ódio e raiva e rancor. E tem vocês de quem nem me lembro, por mais que eu não me esqueça de ninguém. Você que tem o amor libertário e libertador, e eu acho incrível sem impedimentos simples e com compromisso sério. Você, que tem uma dor que eu entendo por mais que nunca tenha vivido isso, mas cuja dor se compara às que eu tive e pra quem eu digo que, não porque vi aquebrantado (não queria usar essa expressão), mas porque enxerguei mais do que tem aí dentro, eu passei a gostar ainda mais de você. 
Já em você, meus dedos não deixaram marcas, nada meu te rasgou, a não ser algumas palavras que te partiram a esperança e viraram dor eterna e mágoa profunda que você não consegue deixar ir embora e insiste em me tornar ciente disso por mais que eu já saiba de cor o discurso. Tem você que é leve e nunca se importou com nada, que me levou sem peso por algum tempo e sempre teve mais clareza do que eu. Sua música e sua voz que não me deixam parar de refletir do peso das coisas, dos argumentos e das porras das pessoas que insistem em abafar sonhos. 
Mas eu decidi dizer de vocês para, então, poder dizer de mim. Eu não guardo mágoa, não guardo rancor. Mas tem essa coisa aqui que eu não guardo, mas ela existe e não consigo negar: a dor de ter sido esquecido por todo esse tempo. Negligenciado e silenciado por anos em que, mesmo dizendo a todos e até a mim mesmo que não me importava, tudo doía. Uma vez eu te amei tanto e você só notou depois de tanto tempo, quando já nem me amava metade. 
Várias vezes contemplei sua beleza, seu cabelo liso de fio pesado, mas naquele dia, só naquela noite em que a gente teve de pegar um ônibus e eu não parava de ser carinho, você se deu conta de que havia amor ali. Você ainda comentou em tom de pena, 'percebi que você me ama de verdade'. Pra mim, foi uma certa dor mascarada de um certo elogio e eu só pude concordar no momento. Eu não era frio, eu não analisava nada, eu vivia para e por você como nunca havia vivido outra coisa. Eu era celibatário de você. Um escravo desse sentimento que ainda existe, mesmo que sem correntes, sem dores, sem vida, sem força. Mesmo sem te amar. 

sexta-feira, 6 de julho de 2012

União e falta

decidiescreverassimeviquenãotinhasentidonãoser
escreversemespaçonemponto
Onde nem eu caibo mais.

sábado, 30 de junho de 2012

Conversa impossível

- Não faço ideia de como esse novo cara sabe coisa que nem eu sei sobre você. 
- Ele viu foto minha quando pequena. 
- E como foi isso? 
- Cabe saber? 
- Cabe ainda sofrer? 
- Não sei. Eu estou ótima. Se quiser, posso fingir ser mais feliz agora do que quando estava com você e ser tão convincente, tão real, tão eloquente nas minhas colocações que você vai se sentir um merda. 
- Tenho me sentido assim mesmo sem você ter aberto a boca. 
- É que às vezes eu deixo sinais... 
- Coletei todos eles. 
- É por isso que vez ou outra você chora? 
- Não por eles que vez ou outra te deixo saber que choro. 
- Então por quê? 
- Se eu te der um sorriso amarelo, disser que to ótimo, fingir felicidade e afins, vai fazer sentido pra você?
- Não. Só vai me machucar. 
- Por quanto tempo? 
- Como posso saber? Nunca mais nada doeu.
- Que sorte!
- Dor é a gente que inventa, dizem por aí. 

terça-feira, 12 de junho de 2012

Duo Paixão

Não sigo a instrução da caixa de bolo que diz pra comer ainda quente. Sirvo a mim mesmo com o que quero e tenho: sua ausência. O prato cai. Barulho forte. 'Já se passaram das 22h', penso. Pedaços brancos por todo lado. 'Porcelana corta tanto quanto vidro', digo eu enquanto recolho os estilhaços do chão. 'Moro no primeiro andar, ainda bem', penso. Salvei a fatia do bolo pra deixar o mundo cair. E se partir, se dissolver em mínimos pedaços. Salvei o bolo frio, sem bom gosto e sem vida pra deixar o recipiente se espatifar. 
Corro de tudo que pode me prender porque tudo quebra por mais bonito, limpo, cerâmico que seja.

sábado, 9 de junho de 2012

Preconceito nosso de cada dia

Quando eu desistir dos humanos, é porque achei finalmente que eles fedem mais do que eu - e, na verdade, fedo tanto quanto eles. 

terça-feira, 8 de maio de 2012

Minha existência solitária dói

Sou só lágrimas e dor e pontadas no peito e falta de vida por onde rastejo.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Reforma

É como se a britadeira que inferniza meu silêncio matinal perfurasse meu coração na mesma intensidade com que afunda o asfalto da avenida.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Comunicação

Pulo linhas, digito trocados, não sei mais publicizar. Carrego por longos períodos os olhos na tela, fujo do tema, penso besteira. Corro para uma ligação, invento que fumo, invento beber café, invento festejar. Eu não sei mais materiarizar. Apago a cinza, queimo o cérebro. Apago o arquivo. Acabou. É hora. Vou divulgar o não materiarizado: minha falta de prudência em criar enunciados e sentenças que façam sentido e sirvam de algo, que sejam materiarizáveis.