quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Vocês

Tem você que fuma todo dia, religiosamente, seu beck e eu nunca vi seu rosto, só conheço o cheiro que desce até meu apartamento sem respeitar madrugadas ou horários de almoço nem minha fome criada por sua larica de carne de sol frita com bastante alho e azeite extra virgem. Você e seus amigos do clube da fumaça que arrastam carros e motos da garagem e deixam o portão do prédio aberto. Minha única referência sobre você é essa, não me leve a mal. Não te julgo nem te absolvo, mas apagaria sua fumaça se pudesse. Assim como teria apagado a sua quando você insistiu em fumar algumas carteiras desde que fui embora e continuou a fumar enquanto estive perto. Você, que nunca mais encontrei igual e talvez nunca mais encontre. E você, que fuma desde que saiu de casa e largou a faculdade. 
Você, daquele pacto estúpido de alguns anos, que eu nem sei em qual tempo deveria estar agora nem sei por onde anda. E você que amargou minha amizade e também sumiu, mas vez ou outra temos de retribuir sorrisos amarelos de cumprimento e permanecer num vácuo absurdo, numa falta imensa de seja lá o que for que falta. "Quando eu mais precisei de você, você não estava lá", te disse certa vez. Nem sei relatar o tanto de saudade que tenho de quando estar perto era algo imensamente bom e eu não fazia ideia. Lembro de quando você, super cedo, se levantou e me levou ao aeroporto e mal dizia qualquer palavra enquanto eu derramava quilos de letras. Mas, ainda que estivesse agoniado com aquilo, você me deixou falar um monte. Não sei, lembrei disso. De mim, verborrágico. 
Vocês, que não passam dos 1.75m, mas têm egos imensos e línguas imperdoáveis. Que comem carne e é como se se enchessem de ainda mais sangue e ódio e raiva e rancor. E tem vocês de quem nem me lembro, por mais que eu não me esqueça de ninguém. Você que tem o amor libertário e libertador, e eu acho incrível sem impedimentos simples e com compromisso sério. Você, que tem uma dor que eu entendo por mais que nunca tenha vivido isso, mas cuja dor se compara às que eu tive e pra quem eu digo que, não porque vi aquebrantado (não queria usar essa expressão), mas porque enxerguei mais do que tem aí dentro, eu passei a gostar ainda mais de você. 
Já em você, meus dedos não deixaram marcas, nada meu te rasgou, a não ser algumas palavras que te partiram a esperança e viraram dor eterna e mágoa profunda que você não consegue deixar ir embora e insiste em me tornar ciente disso por mais que eu já saiba de cor o discurso. Tem você que é leve e nunca se importou com nada, que me levou sem peso por algum tempo e sempre teve mais clareza do que eu. Sua música e sua voz que não me deixam parar de refletir do peso das coisas, dos argumentos e das porras das pessoas que insistem em abafar sonhos. 
Mas eu decidi dizer de vocês para, então, poder dizer de mim. Eu não guardo mágoa, não guardo rancor. Mas tem essa coisa aqui que eu não guardo, mas ela existe e não consigo negar: a dor de ter sido esquecido por todo esse tempo. Negligenciado e silenciado por anos em que, mesmo dizendo a todos e até a mim mesmo que não me importava, tudo doía. Uma vez eu te amei tanto e você só notou depois de tanto tempo, quando já nem me amava metade. 
Várias vezes contemplei sua beleza, seu cabelo liso de fio pesado, mas naquele dia, só naquela noite em que a gente teve de pegar um ônibus e eu não parava de ser carinho, você se deu conta de que havia amor ali. Você ainda comentou em tom de pena, 'percebi que você me ama de verdade'. Pra mim, foi uma certa dor mascarada de um certo elogio e eu só pude concordar no momento. Eu não era frio, eu não analisava nada, eu vivia para e por você como nunca havia vivido outra coisa. Eu era celibatário de você. Um escravo desse sentimento que ainda existe, mesmo que sem correntes, sem dores, sem vida, sem força. Mesmo sem te amar. 

Um comentário:

  1. Segunda vez que leio o texto e, como da primeira, tento adivinhar de quem se fala. Adorei, irmão. Ao mesmo tempo em que senti o seu pesar pelos fatos da vida. Beijo!

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