sábado, 13 de novembro de 2010

Mesmo fato, só mudam os meios

(Sobre os vídeos de Tullaluana no Youtube)
 
Há claramente o chamado 'perigo de uma única história'. Procurem Chimamanda Adichie no Youtube e vejam seus vídeos num encontro promovido pelo TED. Entendam o conceito. Entendam o preconceito.
Mas vocês já viram todos os vídeos de Tullaluana, esta mulher que também tem argumentos contra a Colheita Feliz? Ela tem alguns reclamando de produtos comprados pela internet, mas que nunca realmente chegaram a sua casa, como afirma. Esse sobre o jogo do Orkut é só mais um de reclamação por um serviço mal prestado. E não há absolutamente nada de constrangedor em se fazer ouvir. Aliás, o que há de errado em ligar pro call center de um chocolate que você comprou e que veio mofado?
Mesmo fato, só mudam os meios.
Em tempos de funções pós-massivas (basicamente, o então espectador da notícia subverte o processo de feitura do jornalismo - naquele modelo de emissão unilateral: emissor -> receptor - e se 'torna' produtor da notícia, tendo direito a voz e espaço comunicacional), é extremamente normal que ouçamos de pessoas ditas comuns. Especialmente quando têm razão sobre o que proclamam ou dizem ter.
Tullaluana, ao produzir seus vídeos, assume a voz abafada das palavras de outros usuários do jogo Colheita Feliz, que também, ela diz, reclamam na comunidade do Orkut. Aí, sim, seu discurso vale ainda mais. Se só como única enganada pelo jogo, ela já teria feito valer seu direito como consumidora, agora ela assume o papel social - e quase utópico - de comunicar e se fazer ouvir. Mesmo que o jogo pareça babaca.
Mas não recorrem tanto ao senso comum que diz que a vida é feita de escolhas? Todos decidimos com o que queremos nos distrair. Facebook, Orkut, MSN, Twitter. PlayStation, Wii. Uno, buraco, truco, canastra. Séries, filmes, livros. Academia, corrida, natação. Ela decidiu se divertir com o jogo, sentada na comodidade de sua casa.
Várias pessoas xingaram Tullaluana de gorda, de 'sem ter o que fazer', de preguiçosa e afins. Ela fez outro vídeo - indignada, com toda razão - perguntando os motivos. E justificou: 'eu tenho esquizofrenia, não saio de casa porque tenho síndrome do pânico'. E mostrou diversos remédios, laudo médico impresso e vias de liberação de medicamentos, cedidos pelo governo para curar seu mal, apesar de ilegíveis por falta de foco. Ainda assim, ela não se vale da condição mental para justificar sua euforia ou indignação. Apenas explica o motivo de sua possível obesidade. Tullaluana também deve ter diversos efeitos colaterais com que lidar e algum deles pode ter feito com que ela engordasse. Ou ela é assim mesmo.
E por que ficamos tão indignados quando ofendem um negro, dizem que nordestino não é gente, queimam um índio, batem em gays, apedrejam mulheres, batem em crianças, maltratam animais, mas não paramos - em momento algum - pra nos concentrar no ser humano na essência sem considerar ou relativizar com o tido 'normal' ou com nossas próprias existências a habilidade física e motora, o tamanho, a altura, o gosto, o cabelo, a cor da pele, idade, o quanto ela ganha ou perde por mês ou em qual bairro, cidade ou país mora? Por que precisamos da pena, da dó para manifestar interesse ou apoio a alguém e seu discurso? E por que precisamos saber que ela tem algum distúrbio mental e não pode sair de casa para, então, acharmos OK ela ser gorda? E insistentemente cito Adriana Calcanhotto: 'lanço meu olhar para o Brasil e não entendo nada'.
Tullaluana é, sim, gorda, sofre de esquizofrenia e síndrome do pânico, compra produtos que não chegam em sua casa, publica indignação e busca seus direitos como qualquer um deve fazer ao se sentir lesado. Mesmo em sua casa, ligando de seu telefone e não usando a internet, amplamente disponível, receptiva e sem preconceito para isso. Mesmo fato, só mudam os meios.

2 comentários: