sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Porque pensei aleatoriamente

No final de semana, tudo no mesmo lugar, ainda que alguns grãos de poeira tenham se depositado aleatoriamente aqui e ali. Sem pretensões de ocuparem quaisquer espaços, se amontoam. "Meu apartamento parece tão bagunçado que nem parece meu", eu penso. Aí vou ao banheiro e vejo que tenho meus fios de cabelo branco, tenho feios fios que nem se parecem com o resto. Nem por isso deixam de ser meus. E tenho esse lado chato, de reserva, que doso com os momentos de pura franqueza de alma e abertura pra vida que me deixam ser quem eu sou sem incomodar ninguém. Espantosamente. Mas nunca tem ninguém, por isso a falta de incômodo. 
Decido escrever frases soltas no Moleskine imaginário. Guardo frases soltas na cabeça. Guardo pra depois despejar num Moleskine ainda não escrito, naquelas ditas folhas especiais que deveriam guardar algo que significasse muita coisa. Registro minha vida, minha pesquisa. Deixo guardadas linhas que quero seguir, mas não faço dele diário. Escrevo para ninguém. 
E resolvo sair com você pela cidade que nem conheço a procura de alguma coisa que eu nem sei ao certo, mas vou porque confio na sua amizade até então. Não tem mãos dadas, não tem calor humano, não tem olhos trocados. Visto um moletom e uma jaqueta e fotografo, mesmo que sem câmera, aquelas esquinas que a gente dobrou sem se preocupar em marcar território porque nada ali é meu. "Nem tem como ser, não tem como ser", repito pra mim como num mantra. Não temos nada afinal. Mas que coisa maluca é essa de querer ter alguma coisa? Você nutre por mim algo não declarado, que só descubro meses depois quando você já definiu como não-existe-mais-nós.  
A luz está baixa, pessoas conversam alto, estou num pub. Alguém tenta falar espanhol comigo. "Yo no hablo español, desculpa". E tenho de repetir mil vezes isso ao longo da noite, certamente sem ser entendido completamente. Luz baixa, pessoas conversam alto, estou num barzinho. Alguém tenta falar alemão comigo. "Ich kann kein Deutsch". E sou incomodado pela impossibilidade de dizer de mim, de conversar com esse alguém que nem sei quem. Um alguém personificado, mas não individualizado ainda. Um alguém tipificado: bêbado, incômodo e insistente. 
Agora estou viciado numa única música que me lembra os anos 90, tem um quê da música de abertura de Twin Peaks e sinto um certo medo. Medo de querer demais e não ter. Medo de me apressar. Medo de avançar minha escrita e não ter mais o que escrever. E me perder e ser sem rumo e sem prestígio, logo, não mais no caminho certo - no que dizem ser o certo. Me mandam tomar florais, dizem que vão aliviar meus receios. Eu só quero saber se vêm, dentro do potinho dos florais, passagens aéreas e quantias exorbitantes pra que eu possa sofrer menos, mas pelo menos que seja em algum lugar frio e que tenha o branco da neve pra amenizar as fontes loucas de informação que meio que me cegam de tanto que dão a ver. "Relaxe", digo pra mim mesmo. E falo pausadamente, como se digitando, "não se cobre escrita perfeita em teclado de celular". 
Tudo isso porque pensei no frio, nas tantas letras que tenho idealizado, tantos títulos que tenho sonhado e tantos grãos de poeira que tenho inalado e não mais me entalam as narinas, mas pesam o peito. Estou curado da rinite, mas não de mim.

2 comentários:

  1. O desfecho foi ótimo. "Estou curado da rinite, mas não de mim". Te amo, irmão. ;] Se deixe curar.

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